sexta-feira, 6 de março de 2009

Para todas as mulheres

Em homenagem ao "Dia Internacional da Mulher", escolhi esse poema de Cora Coralina, pela simplicidade em que retrata "todas as mulheres" que existem dentro de cada uma. Faltou uma que ame sapatos assim como eu.
A tela é de Di Cavalcanti (Cinco Moças de Guaratinguetá- 1930 - óleo sobre tela - acervo do MASP). Um beijo especial para minha Mãe que sempre encarou a vida de frente, minhas amigas, minhas filhas Lígia e Ana Luiza.
Di Cavalcanti

Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho, olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum.
Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda, desabusada,
sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada.
Vive dentro de mim a mulher roceira.
– Enxerto da terra, meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida – a vida mera das obscuras.

(Cora Coralina)

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