sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Vida





Olhe para dentro e a vida, ao que parece, está longe de ser "assim".
Examine por um momento uma mente comum, num dia comum. A mente recebe milhares e milhares de impressões — triviais, fantásticas, evanescentes ou gravadas com a agudez do aço. Vêm de todos os lados, — uma chuva incessante de inúmeros átomos; e ao caírem, ao se transformarem na vida de segunda ou terça-feira, o acento recai de modo diferente do de antigamente; o momento de importância veio, não aqui, mas ali; de modo que se o escritor fosse um homem livre e não um escravo, se pudesse escrever o que bem lhe apraz e não o que lhe é imposto, se pudesse basear seus trabalhos nos seus próprios sentimentos e não nas convenções, não haveria enredo, nem comédia, nem tragédia, nem interesse de amor ou catástrofe, segundo o estilo convencional, e talvez nem um único botão fosse pregado em Bond Street conforme o desejo do alfaiate. A vida não é uma série de lâmpadas de trole simetricamente dispostas; a vida é um halo luminoso, invólucro semitransparente que nos circunda desde o começo da percepção até o fim. E não será esta a tarefa do romancista, a de transmitir, com tão pouca mescla do estranho e externo quanto possível, esse espírito mutável, desconhecido e ilimitado, quaisquer que sejam as aberrações ou complexidades que ele, romancista, possa descrever?

(Virginia Woolf)

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