sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Pequena Ode Mineral





Desordem na alma
que se atropela
sob esta carne
que transparece.
Desordem na alma
que de ti foge,vaga fumaça
que se dispersa,
informe nuvem
que de ti cresce
e cuja face
nem reconheces.
Tua alma foge
como cabelos,cunhas, humores,
palavras ditas que não se sabe
onde se perde
me impregnam a terra
com sua morte.
Tua alma escapa
como este corpo
solto no tempo
que nada impede.
Procura a ordem
que vês na pedra:nada se gasta
mas permanece.
Essa presença
que reconheces
não se devora
tudo em que cresce.
Nem mesmo cresce
pois permanece
fora do tempo
que não a mede,
pesado sólido
que ao fluido vence,que sempre ao fundo
das coisas desce.
Procura a ordem
desse silêncio
que imóvel fala:silêncio puro.
De pura espécie,voz de silêncio,mais do que a ausência
que as vozes ferem.


(João Cabral M Neto)

Canção da América

Aos amigos queridos: presentes, ausentes, de perto ou de longe e os que se foram .
Gostaria de colocar a foto de cada um, mas não é possível. Escolhi a capa de "Clube da Esquina" Milton Nascimento e Lô Borges para representar todos.

Sinto saudades de alguns que moram longe (Renata e Claudyo), os que demoram aparecer por terem muitos compromissos (mas sempre estão em meu pensamento). Aos que já se foram e um dia com certeza nos encontraremos, aqueles que sempre estão a meu lado, os mais recentes (que convivem diariamente comigo) e as minhas filhas Lígia e Ana Luiza (grandes amigas).




Amigo é coisa prá se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção
Que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver seu amigo partir...
Mas quem ficou
No pensamento vôou
Com seu canto
Que o outro lembrou...
E quem voou
No pensamento ficou
Com a lembrança
Que o outro cantou...
Amigo é coisa prá se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância
Digam não...
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração...
Pois seja o que vier
Venha o que vier
Venha o que vier...
Qualquer dia amigo
Eu volto a te encontrar
Qualquer dia amigo
A gente vai se encontrar...
Pois seja o que vier
Venha o que vier
Venha o que vier...
Qualquer dia amigo
Eu volto a te encontrar
Qualquer dia amigo a gente
Vai se encontrar...


(Milton Nascimento/Fernando Brant)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Carta aos Amigos

"O sol poente" - Tarsila do Amaral

Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse um fragmento de vida, possivelmente não diria tudo o que penso mas em definitivo pensaria tudo o que digo.
Daria valor as coisas, não pelo que valem, senão pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais,entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os demais dormem.
Escutaria quando os demais falam, e como desfrutaria um bom sorvete de chocolate! Se Deus me obsequiasse um fragmento de vida, vestiria simples, me atiraria de bruços ao sol, deixando descoberto, não somente meu corpo senão minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo, esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que lhes ofereceria à lua. Regaria com minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos, e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer as pessoas que quero, que as quero. Convenceria a cada mulher ou homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de enamorar-se! A criança lhe daria asas,
porém lhe deixaria que sozinho aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.
Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens... Tenho aprendido que todo o mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Tenho aprendido que quando um recém nascido aperta com seu pequeno punho, pela primeira vez, o dedo do pai, o tem apanhado para sempre. Tenho aprendido que um homem só tem o direito de olhar a outro com o olhar baixo quando há de ajudar-lhe a levantar-se.
São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala,
infelizmente estarei morrendo.

(Gabriel Garcia Márquez)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Perder-se também é caminho




As pessoas que se comprazem no sofrimento, que gostam de sentir-se infelizes e fazer aos outros infelizes, jamais poderão orgulhar-se de sua beleza.
O mau humor, o sentimento de frustração, a amargura marcam a fisionomia, apagam o brilho dos olhos, cavam sulcos na face mais jovem, enfeiam qualquer rosto.
Essa é a razão porque a mulher, que cultiva a beleza, deve esforçar-se para ser feliz.
Felicidade é estado de alma, é atmosfera, não depende de fatos ou circunstâncias externas.


(Clarice Lispector)


Foto blog:
www.literatus.blogspot.com

sábado, 25 de outubro de 2008

Cheirando a flor de laranjeira

Wilson Simonal, lembro do seu jeito singular de cantar.
Ouvi "Sá Marina" na voz de Ivete Sangalo, mas tive tanta saudade em ouvi-lo. Era criança quando tudo aconteceu, não entendo como uma "fofoca" foi acabar com sua carreira artística, vida profissional e pessoal, e só muito tempo depois de sua morte, só então, a família conseguiu provar sua inocência.
Que perigo, odeio fofocas.

E ficou Wilson Simoninha herdeiro da bela voz.





Descendo a rua da ladeira
Só quem viu que pode contar
Cheirando a flor de laranjeira
Sá Marina vem pra cantar
De saia branca costumeira
Gira o sol que parou pra olhar
Com seu jeitinho tão faceira
Fez o povo inteiro cantar
Roda pela vida afora
E põe pra fora, essa alegria
Dança que amanhece o dia pra se cantar
Dança que essa gente aflita
Se agita e segue, no seu passo
Mostra toda essa poesia no olhar
Fez o povo inteiro cantar
E fez o povo inteiro cantar...

Roda pela vida afora
E põe pra fora, essa alegria
Dança que amanhece o dia pra se cantar
Dança que essa gente aflita
Se agita e segue, no seu passo
Mostra toda essa poesia no olhar
Deixando os versos na partida
E só cantigas pra se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro cantar
E fez o povo inteiro cantar
E fez o povo inteiro cantar
E fez o povo inteiro cantar


(Sá Marina - Antonio Adolfo/Tibério Gaspar)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Uma voz no vento

Foto é capa do disco "Encontros e Despedidas" de Milton Nascimento, a letra é uma música muito bem interpretada por Leila Pinheiro, e que eu amo!
Um beijo especial aos amigos Elaine e Ricardo, parabéns pela chegada de "Victor".





Uma voz no vento
Chama azul do dia
Doce perfume, canção
Uma voz no tempo
Resiste na noite
E as lágrimas fogem de ti
Uma voz no vento
Uma voz me chama
Brisa de amor
Doce coração
Uma voz no tempo
Carinho na alma
E as lágrimas fogem de ti
Se quem chegou partiu
Se quem virá já foi
Só pra quem fica
Os dias são todos iguais
Mil sonhos pra enterrar
Ventos e vendavais
Corpo e alma vergam
Se os anos pesam demais
No coração
Uma voz no vento
Chama azul do dia
Doce perfume, canção
Uma voz no tempo
Resiste na noite
E as lágrimas fogem de ti
E as lágrimas fogem de mim
E um rio se forma de nós.


(Marcus Viana) www.marcusviana.com.br

Sentir Saudade




Sentir saudade é merecimento e digo sem medo
Sentir saudade é como a poesia encarnada
A espera de alforria e palavra cantada
Luzir saudade, rever saudade

Quando vestido me dispo de saudade
Quando estou nu me pego de saudade
Quando me pego te espero com saudade
Quando te espero me visto de saudade

Sinto saudade até te esquecendo
Sinto saudade lhe vendo e lhe tendo
Sinto saudade as vezes doendo
Sinto saudade enquanto estou vivendo

(André Madi)
www.myspace.com/andremadi

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Impulsiva


Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever?
Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.
O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos.
E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta?
E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura.
Vou pensar no assunto.
E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.
(Clarice Lispector)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

E lá se vai ...





Porque se chamava moço
também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, aço, aço...
Porque se chamava homem
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos, calmos...
E lá se vai mais um dia...
E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção e o coração
Na curva de um rio, rio ...
E lá se vai mais um dia...
E o Rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio-fio
Esquina mais de um milhão quero ver então
A gente, gente, gente...
E lá se vai mais um dia...


(Flávio Venturini/Lô Borges/Mácio Borges)
http://www.loborges.com.br/

domingo, 19 de outubro de 2008

Mil Perdões

Falar de Chico Buarque ... Os olhos mais lindos que já vi!
Quando criança queria casar com ele, depois também!
Essa música sempre esteve presente em minha vida, o amigo Claudyo me enviou a letra em uma carta (faz tempo), também me senti nessa situação algumas vezes.





Te perdôo
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão
Por me amares demais

Te perdôo
Te perdôo por ligares
Pra todos os lugares
De onde eu vim
Te perdôo
Por ergueres a mão
Por bateres em mim

Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)

Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair


(Chico Buarque) www.chicobuarque.com.br

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Estrela Perigosa




Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis.
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho.
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir.
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.
No obscuro erotismo de vida cheia
nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:excrucitante.
Que medo alegre, o de te esperar...


(Clarice Lispector)

 
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