sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Vida





Olhe para dentro e a vida, ao que parece, está longe de ser "assim".
Examine por um momento uma mente comum, num dia comum. A mente recebe milhares e milhares de impressões — triviais, fantásticas, evanescentes ou gravadas com a agudez do aço. Vêm de todos os lados, — uma chuva incessante de inúmeros átomos; e ao caírem, ao se transformarem na vida de segunda ou terça-feira, o acento recai de modo diferente do de antigamente; o momento de importância veio, não aqui, mas ali; de modo que se o escritor fosse um homem livre e não um escravo, se pudesse escrever o que bem lhe apraz e não o que lhe é imposto, se pudesse basear seus trabalhos nos seus próprios sentimentos e não nas convenções, não haveria enredo, nem comédia, nem tragédia, nem interesse de amor ou catástrofe, segundo o estilo convencional, e talvez nem um único botão fosse pregado em Bond Street conforme o desejo do alfaiate. A vida não é uma série de lâmpadas de trole simetricamente dispostas; a vida é um halo luminoso, invólucro semitransparente que nos circunda desde o começo da percepção até o fim. E não será esta a tarefa do romancista, a de transmitir, com tão pouca mescla do estranho e externo quanto possível, esse espírito mutável, desconhecido e ilimitado, quaisquer que sejam as aberrações ou complexidades que ele, romancista, possa descrever?

(Virginia Woolf)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Juventude




Sempre não tive a idéia fixa de que a velhice me traria muito?
Em meus jovens anos escrevi em algum lugar: primeiro nós vivemos nossa juventude, em seguida nossa juventude vive em nós. Não sei bem, ainda hoje, o que eu queria dizer com isso outrora. Mas eu tinha realmente medo de não atingir a idade de viver esta experiência; eu o sabia profundamente, uma longa vida, com todas as suas dores, vale ser vivida.
Claro, o valor da vida pode nos ficar escondido pelos desgastes sofridos pela nossa carne, nosso espírito (...) do mesmo modo que a juventude mais empreendedora pode se ver entravada em sua felicidade e em seu sucesso, por um fatal concurso de circunstâncias; mas, por além das perdas, a velhice adquire muito mais que a famosa aptidão à serenidade e à lucidez: ela permite que se chegue a uma plenitude mais acabada.

(texto: Lou Salomé/ tela: Amadeo Modigliani)

domingo, 18 de outubro de 2009

Duas paixões




... Deitar com uma mulher e dormir com ela, eis duas paixões não somente diferentes mas quase contraditórias. O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma série inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (este desejo diz respeito a uma só mulher).

(Trecho- "A insustentável leveza do ser" - Milan Kundera)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O Solitário




Detesto seguir alguém assim como detesto conduzir.
Obedecer? Não! E governar, nunca!
Quem não se mete medo não consegue metê-lo a ninguém,
E só aquele que o inspira pode comandar.
Já detesto guiar-me a mim próprio!
Gosto, como os animais das florestas e dos mares,
De me perder durante um grande pedaço,
Acocorar-me a sonhar num deserto encantador,
E forçar-me a regressar de longe aos meus penates,
Atrair-me a mim próprio... para mim.

(Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência")

 
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